Buscando no mundo...

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Um Código para a Vida

Ao acompanhar sua mãe em uma visita à casa de sua tia, a pequenina menina se depara com um lindo e diversificado expositor de peças de antiquário, já da família a algumas gerações. Como que instantaneamente, a criança direciona suas mãos para os bibelôs e toma-os para manuseá-los. Num mesmo súbito, a mãe, temerosa pela segurança do objeto, a toma das mãos da criança e repreende-a severamente, incutindo um teor de culpabilidade à menina. Moral da história: a menina teve sua visão extirpada pela mãe. Isso mesmo, a visão!
Parece demasiada dramática minha colocação. Parece um absurdo epistemológico. Concordo que para os padrões de um vidente, (utilizador de olhos, e não necessariamente de janelas para a alma) a criança naquela situação representava um grande risco para algo que realmente tem um valor histórico e afetivo bastante expressivo. Mas ninguém tira de meu entendimento que o ato da mãe cegou a criança. Abordemos a história de Hellen Keller: talvez uma figura tão brilhante e de espírito tão evoluído quanto Madre Tereza de Calcutá, Indira Gandhi e Lady Di. Via e, não bastava tamanho obstáculo físico/fisiológico, escutava com as mãos.
Um músico entende o que é ouvir com as mãos. No entanto, o músico tem alguém para ensiná-lo em tal habilidade; um músico percebe as vibrações e pode repercuti-las em seus instrumentos. Mas e quando o instrumento é a voz humana? Há como? Somente um milagre como o de Anne Sullivan Mace. E quanto ao enxergar? As mãos são ferramentas tão especiais, que o único sentido que parecem não desenvolver é o olfato e paladar (ainda!).
Sim, uma mãe pode cegar sua filha por falta de modos, por não saber abordar uma maneira “pedagógica” de fazer sua menina tatear os objetos e guardar as suas formas em sua memória. Por acaso as mães sabem se seus filhos podem ou não vir a tornarem-se cegos ou surdos? Sabem as mães (e os pais também, é óbvio) o quanto uma criança aprende em querer “enxergar com os olhos” os enfeites da titia? Pergunto-me como Hellen utilizaria o computador, ou qual interface seria necessária para assistir tamanha dificuldade?
Eu consegui digitar com o dasher; Hellen talvez não o conseguisse utilizar (creio eu, na minha ainda inexperiente forma de perceber milagres). Consegui – com muita dificuldade – escrever o texto no DOSVOX; Hellen poderia escrevê-lo, mas possivelmente não o ouviria, pois o computador ainda não tem uma garganta para que ela pudesse – se viva fosse – tocar com seus dedos para ouvir os timbres, como que fazia com sua protetora e educadora. Mas precisamos nos comunicar. Precisamos de códigos. Hellen queria descobrir códigos e os teve.
As tecnologias assistivas estão cada vez mais próximas das necessidades reais de codificação para a comunicação. No entanto, quando vemos a garra de Hellen Keller, não há tecnologia que se equivalha ao impulso humano de querer ter dignidade.
Não ceguemos nossas crianças. Elas poderão precisar desses estímulos mais tarde. Deixemo-nas brincar com os bibelôs. Afinal, não retratam toda a realidade, mas uma parte minúscula e necessária para a nossa própria compreensão.

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